Paganismo versus Cristianismo

Um aspecto trágico do panorama religioso brasileiro é o reavivamento de práticas pagãs importadas durante os tempos coloniais. Dormentes durante várias gerações, essas práticas voltam a adquirir uma popularidade desconcertante. Como um vulcão adormecido por séculos encerra em cavernas subterrâneas o potencial de energias cataclísmicas, a alma popular, superfiacialmente cristianizada, encerra a energia primitiva de superstições ancestrais. Removidas as inibições impostas pelo respeito e a admiração por uma fé superior, essas supertições recalcadas, mas não extirpadas, voltam à superfície com a força do instinto. A ironia da situação, porém, reside no fato de que esse Neopaganismo arrasta em suas malhas sutis os próprios membros de uma sociedade nominalmente cristã.

Um observador perspicaz da realidade social brasileira, Gilberto Freire assim descreve em Casa Grande & Senzala o resíduo pagão na religião popular:

“Mas o resíduo pagão característico, troxera-o de Portugal o colonizador branco no seu cristianismo lírico, festivo, de procissões alegres com as figuras de Baco, Nossa Senhora fugindo para o Egito, Mercúrio, Apolo, o Menino-Deus, os doze Apóstolos, sátiros, ninfas, anjos, patriarcas, reis e imperadores dos ofícios; e, só no fim, o Santíssimo Sacramento. Não foram menos faustosas, nem menos pagãs as grandes procissões no Brasil colonial. Frazer notou na festa do Corpus Christi na Bahia, músicos, bailarinos e mascarados em sacerdotes lúbricos” (Gilberto Freire, Casa Grande & Senzala, p.446).

Como explicar o novo surto de popularidade que desfruta em nosso meio a macumba, o candomblé, a umbanda e outras práticas do culto aborígene da África? Passaremos por alto o que os sociólogos e psicanalistas têm dito sobre o assunto e que, sem dúvida, tem sua relevância. Fatores sociais e psíquicos certamente operam nesse fenômeno místico da alma popular. Ninguém duvida que os pretos, arrancados violentamente de seu ambiente primitivo pelos negociantes de escravos, e transplantados para outras culturas, tenham sofrido profundo trauma psíquico. Restringir-nos-emos aqui apenas a considerações do ponto de vista religioso, porque o fenômeno é, antes de tudo, espiritual.

O preto na sociedade aristocrática colonial, raramente foi tratado como uma pessoa dotada de dignidade pessoal. O escravo era uma propriedade da qual se dispunha com o mesmo desinteresse afetivo com que se dispunha de um animal ou de um sítio. Separar famílias de escravos numa transação comercial não era coisa que normalmente afetasse os sentimentos de senhores de platações e engenhos. Chocaria nossa consciência religiosa a qualidade do cristianismo que animava a sociedade colonial. Capelas eram erigidas, missas eram rezadas, as formas da religião eram observadas, mas seu conteúdo religioso era assombrosamente pobre. Não era de esperar que os escravos adquirissem qualquer apreciação da mensagem redentora do cristianismo na atmosfera estiolante das senzalas. Aprenderam, sim, a benzer-se, a genuflexar-se diante das imagens que inspiravam ora ternura, ora temor, em sua alma pagã; a desfiar o rosário e a repetir preces mecanicamente. Entre o ritual da religião e seu conteúdo espiritual, há, porém, um grande abismo, e nenhum esforço inteligente foi feito para lançar pontes de compreensão sobre esse abismo. Iletrados, deserdados material e espiritualmente, os escravos eram párias dentro de uma sociedade incapaz de discernir entre a fé a a superstição.

A abolição da escravatura em 1888, pouco contribui de imediato para melhorar a sorte dos pretos. Suas oportunidades de emancipação financeira, dentro de uma economia puramente agrícola, eram mínimas. O analfabetismo, generalizado fora das capitais por longos anos, era absoluto entre os pretos. Foram poucos os José do Patrocínio que conseguiram escapar à pobreza esmagadora e galgar alguns degraus na escala social, graças ao talento inato e ao estudo perseverante. Como apêndice da família senhorial, o escravo e sua família participavam das festas de São João e outras que quebravam a monotonia da vida rural. Entregues a sua própria sorte depois da abolição, os pretos enchiam suas horas de lazer com ritos e danças trazidas da África e que nunca se apagaram inteiramente de sua memória. Mas, como em todas as sociedades primitivas, práticas orgiásticas e noções religiosas obscuras, davam-se as mãos nas horas de diversão e lazer.

Na Grécia antiga, por exemplo, o culto de Dionísio era associado com vinho e orgias. O mesmo acontecia em Roma com o culto de Baco.

Esta breve resenha histórica nos leva à conclusão de que a igreja no Brasil colonial falhou em comunicar ao preto os elementos básicos da fé cristã. A alma preta, naturalmente suscetível à religião, teria, por certo, respondido à beleza de uma fé que até hoje demonstra sua vitalidade entre os povos mais retrógrados. Essa beleza faltava, porém, à religião vivida, ou melhor, não vivida, mas só professada, na sociedade colonial. Era moda honrar o cristianismo com os lábios, enquanto se divorciava a religião de qualquer interferência com as exigências da vida prática. Essa dicotomia entre a fé e a vida diária roubava a religião de qualquer força persuasiva.

A igreja falhou, mas uma grande parcela da responsabilidade cabia a uma sociedade que tolerava a escravatura como uma necessidade econômica. Não seria o látego do feitor que impressionaria o coração do escravo com o esplendor do cristianismo. A própria instituição da escravatura, com sua afronta à dignidade humana, criava uma barreira intransponível entre senhor e escravo. Comunicação inteligente entre ambos era praticamente impossível. O resultado foi que a religião, como praticada pelos senhores, não desalojou as superstições pagãs da alma do escravo. Não as desalojou; simplesmente as recalcou para o sunconciente. Removida a pressão cultural que numa sociedade vitoriana tornava intolerável a manifestações de superstições pagãs, vêm elas à tona com renovado vigor no ambiente permissivo contemporâneo.

Esse neopaganismo africano, praticado entre certas camadas populares, coincide com o secularismo humanista que domina as elites. Convicções religiosas exercem uma influência descrente entre os intelectuais. Não há duvida que a igreja cristã está na defensiva em duas frentes: nos círculos intelectuais e entre as amadas proletárias deserdadas social e economicamente. A luta promete ser renhida, mas as forças cristãs precisam enfrentar sem desânimo o desafio da hora. Derivando sua vida de Deus, a igreja tem em si a fonte de uma perene renovação. Essencial à recuperação espiritual da sociedade é cada cristão viver como se fosse Cristo Senhor de todos os aspectos da existência. O divórcio entre a vida e a religião precisa desaparecer.

Como disse Billy Graham:

“Dividimos nossas vidas em compartimemtos estanques: política numa seção, finanças noutra, e a religião é empurrada num canto escuro, e arejada alguns minutos domingo de manhã. Digo-vos que tal imitação do cristianismo não pode mover o mundo…Cristo precisa ser levado ao lugar de negócio, aos centros universitários, às assembléias legislativas”.

Outro fator de vitória é uma fé, ela própria despida de superstições, perfeitamente enquadrada nos ensinos das Sagradas Escrituras. Psicanalistas antes de estarem qualificados para exercer sua profissão, são, eles próprios, analisados por um colega habilitado para descarregar sua mente de recalques e neuroses que reduziriam sua capacidade de entender os problemas emotivos de seus pacientes. De igual modo, o cristão precisa submeter-se a um exame de consciência à luz das Escrituras:

“Examinai-vos a vós mesmos se realmente estais na fé; provai-vos a vós mesmos” II Coríntios 13:5

Um erro, mais que qualquer outro, tem prejudicado os cristãos em enfrentar inteligentemente as superstições afro-brasileiras, seja a macumba, o candomblé, ou o espiritismo que confundem a mente de tantos em nossos dias. Esse erro diz respeito à natureza do homem. Muitas das idéias confusas, que tornam estas superstições plausíveis, têm sua origem no conceito da imortalidade da alma.

A afirmação de que a doutrina da imortalidade da alma é estranha à Bíblia atinge a muitos como um choque. Para pessoas habituadas desde a infância a crer na sobrevivência da alma após a morte, tal declaração pode parecer blasfema. Um exame cuidadoso das escrituras revelará, porém, que há muito mais conforto e coerência lógica no ensino bíblico de que o homem vive como um todo, sofre como um todo e morre como um todo. A vida eterna é um dom de Deus conferido na ressurreição, e não algo inerente ao próprio homem. Nas Escrituras, a imortalidade é sempre um dom e não um atributo natural do homem.

Qual toque de trombeta, soa límpida através dos séculos a declaração do Gênesis:

“Então formou o Senhor Deus o homem do pó daterra, e lhe soprou nas narinas o fôlego da vida, e o homem passou a ser alma vivente”. Gênesis 2:7

A ciência anui à afirmativa de que o corpo do homem é constituído dos mesmos elementos químicos que se encontram no pó da terra. Combinados para formar as moléculas mais diversas, esses elementos químicos são o material básico de cada célula. Das atividdaes vitais de cada célula, de cada tecido, de cada órgão, e de sua perfeita integração num todo harmonioso depende a própria existência humana. Nosso corpo “assombrosamente maravilhoso”, no dizer do salmista, não resistiria ao processo de desintegração, não fosse o princípio vital que o anima. Reza, pois, o relato do Gênesis, que Deus “lhe soprou nas narinas o fôlego da vida”. Nesse instante em que o coração começou a pulsar, o sangue a circular nas veias e artérias, os músculos flácidos a se retesarem, e a corrente do pensamento a galvanizar-lhe o cérebro, o “homem passou a ser alma vivente”.

Note bem o leitor que não foi dada ao homem uma alma, mas que no conjunto de suas atividades físicas e mentais, mantidas pelo “fôlego da vida”, o homem tornou-se uma alma vivente. Seria incorreto, por conseguinte, dizer que o homem possui uma alma. De acordo com nosso texto inicial, o homem é uma alma vivente. A palavra hebraica nephesh, que aqui é traduzida por “alma”, não conota uma entidade etérea que pudesse ter uma existência à parte do corpo. De fato, o adjetivo “vivente” é acrescentado para qualificar “alma”, que por si só não tem conotação alguma de auto-existente ou imortal. Poder-se-ia igualmente bem traduzir a palavra nephesh por “ser”, e se poderia ler no verso de Gênesis 2:7 “ser vivente” tão bem como “alma vivente”. Uma concordância bíblica revelará que a palavra nephesh é realmente traduzida dezenas de vezes pela palavra “ser”. Um exemplo à mão seria Gênesis 7 verso 23, onde, no contexto do dilúvio, fala-se da exterminação de todos os “seres”.

A palavra nephesh, na versão portuuguesa da bíblia, é traduzida como “alma”, “ser”, “criatura”, “espírito”, “pessoa”, e até “cadáver”, de acordo com as exigências do contexto, embora o ideal fosse traduzir cada palavra hebraica sempre pelo mesmo vocábulo no português. Que a palavra nephesh não envolve de modo algum a noção de imortalidade, é claro de uma passagem como Ezequiel 18, verso 4:

“Eis que todas as almas são Minhas; como a alma do pai, também a alma do filho é Minha; a alma que pecar, essa morrerá”.

Numa profecia messiânica, citada por Pedro no seu discurso no dia de Pentecostes, o salmista declara:

“Pois não deixarás a minha alma na morte, nem permitirás que o Teu Santo veja corrupção”.

O termo “alma” aqui é sinônimo de “pessoa”, e, não fosse a interposição divina, essa pessoa veria a corrupção.

À luz das passagens acima, só podemos concluir que a natureza do homem é mortal. Criado à imagem de Deus, o homem é um candidato a imortalidade. A imortaliddae, porém, não reside no homem, mas em Deus, que conferirá vida eterna no dia da ressurreição final. O Apóstolo João assim se exprimiu:

“Estas coisas vos escrevi a fim de saberdes que tendes a vidaeterna, a vós outros que credes em o nome do Filho de Deus”

Em Cristo, mesmo agora, temos o penhor da vida eterna. Mas só entraremos na posse desse dom de Deus por ocasião da ressurreição.

A maneira habitual de a Bíblia referir-se à morte, é comparando-a a um sono. Jesus informou Seus discípulos da morte de Lázaro, nas seguintes palavras:

“Nosso amigo Lázaro adormeceu, mas vou para despertá-lo”

Os discípulos supuseram que tivesse falado do repouso do sono.

“Então Jesus lhes disse claramente: Lázaro morreu”.

Procurando confortar os crentes em Tessalônica quanto à situação de parentes e amigos cristãos recém-falecidos, Paulo declarou:

“Não queremos, porém, irmãos, que sejais ignorantes com respeito aos que dormem, para não vos entristecerdes como os demais que não têm esperança.”

Mais adiante acrescentou:

“Nós, os vivos, os que ficaremos até a vinda do Senhor, de modo algum precederemos os que dormem”.

Segundo as escrituras não há um espaço intermediário entre a morte e a ressurreição. Os mortos não precederão os vivos na bem-aventurança eterna. Estão simplesmente dormindo o perfeito sono da morte, enquanto aguardam a chamada do Doador da vida.

Não há uma alma que, por ocasião da morte, suaba ao Céu, ou desça ao inferno, ou esteja simplesmente adejando no espaço, como um pássaro. Pagãos nutriam tais noções, que são inteiramente estranhas às Escrituras. Nos túmulos Egípcios, por exemplo, é comum encontrarem-se pinturas decorativas nas quais a alma é representada como um pássaro. A mitologia grega como refletida na Ilíada de Homero, consignava todas as almas ao Hades ou inferno, lugar de sombras e miséria. A noção popular e indefinida de da imortalidade da alma, foi guindada por Platão, em seus Diálogos, ao nível de uma verdade eterna. Dos ensinos neo-platônicos de Plotino, essa noção se infiltrou na teologia cristã medieval, e ainda colore o pensamento de muitos. Mas um número crescente de teólogos cristãos de todos os matizes está reconhecendo sua incompatibilidade com o pensamento bíblico.

Esta incompatibilidade se torna ainda mais aguda quando examinamos a doutrina da ressurreição, exposta por Paulo no capítulo 15 de 1 Coríntios. Era difícil aos gregos compreenderem o ensino da ressurreição, como São Paulo já verificara em sua primeira visita a Atenas. Havia mesmo na igreja de Corinto recém-conversos do paganismo que negavam abertamente que os mortos ressuscitassem. A incongruência entre essa negativa inspirada na incredulidade, e as boas novas do Evangelho, é patente. Diz São Paulo enfaticamente:

“Se os mortos não ressuscitam, também Cristo não ressuscitou. Ese Cristo não ressuscitou, é vã a nossa fé, e ainda permaneceis nos vossos pecados”.

É absolutamente incoerente pretender crer em Cristo e negar a sua ressurreição. São Pauulo vai mais longe:

Se não há ressurreição, não há esperança alguma além desta vida: “Os que dormiram em Cristo pereceram”. É o final. Nada há mais além. “Se os mortos não ressuscitam, comamos e bebamos, que amanhã morreremos”.

À vista destas passagens, a esperança do Cristão cifra-se na ressurreição. Ou o crente em Cristo é um dia despertado do sono da morte, ou ele perece para sempre. Por que uma declaração tão positiva? O realismo de São Paulo só se explica à luz da verdade bíblica de que o homem vive e morre como um ser indissolúvel. Não há uma entidade, qualquer que seja seu nome, que leve uma existência independente do corpo após a morte. Quão fácil para São Paulo confortar os crentes em Corinto com a idéia popular de que a alma do cristão vai para o Céu, para a própria presença de Deus, à morte! São Paulo, porém, não podia usar esse argumento, porque as Escrituras ignoram a ficção de uma alma que sobrevive ao corpo. Se isso fosse verdade, São Paulo nunca teria dito: “Se os mortos não ressuscitam, comamos e bebamos, que amanhã morreremos”. O fato de São Paulo confinar a esperança do cristão à ressurreição dos mortos, de modo tão absoluto, é o maior argumento de que ele não cria de modo algum na existência de uma alma imortal. Para o apóstolo, Deus é “o único que possui imortalidade”. No que respeita ao homem, a imortalidade é um dom a ser conferido aos que “morreram em Cristo”, por ocasião da ressurreição. Só então a morte, terá perdido para sempre seu aguilhão.

Texto escrito por S.Júlio Schwantes extraído do Livro o Despertar de Uma Nova Era.

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Uma resposta para Paganismo versus Cristianismo

  1. edilson disse:

    O idealizador da igreja católica ,o imperador Constantino era pagão,e os bárbaros que invadiram roma e tomaram posse da igreja católica romana também eram pagãos,tanto prova o paganismo de suas religiões que impuseram a igreja romana,o qual perdura até nossos dias,o clero de roma ainda tem em sua maioria de alemães no comando da igreja,em segundo lugar os americanos em terceiro os italianos,esse cristianismo não tem nada haver com o Criador todas as barbáries cometidas pela inquisição e outras antes dela foram os pagãos católicos que idealizaram e praticaram o mal,o Criador(Yahvé,e Yahushua o messias não tiveram nada a ver com as atrocidades cometidas pelos pagãos católicos.

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